quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Um pouco do meu HIV (1)

Isso ia ter de acontecer de qualquer jeito. Melhor que seja logo, para —quem sabe?— essa dor no peito começar, aos poucos, e de uma vez por todas, a se dissipar. Nem que seja homeopaticamente, para contrabalançar a alopatia anti-retroviral. Foi em 1988 que peguei meu primeiro exame anti-HIV positivo.
Mas essa história começou muito antes. No começo da década de 1980 eu era um adolescente, aspirante a ator. Em 1982, estava em cartaz no Teatro Aliança Francesa, aqui em São Paulo, no espetáculo “Todo Mundo Nu”, escrito e dirigido pelo mímico Ricardo Bandeira. Ainda dizem que sou uma porra louca. Naquela época eu era infinitamente mais.
E foi atuando em “Todo Mundo Nu” que, numa noite, fui convidado pra fazer um teste pra um show que o Ronaldo Ciambroni tinha escrito pra ser montado na histórica Homo Sapiens, onde hoje funciona o Bailão ABC. Bons tempos aqueles em que conheci Cláudia Wonder, Eduardo Curado, Meise, Augusto Rocha, Eurico Martins, Armando Tiraboschi, Eduardo Sampaio...
Estreamos em agosto de 1982 e ficamos oito meses em cartaz. Todas as quartas-feiras, eu fazia o Colírio. Pra você, querido(a) leitor(a), ter uma idéia, na quarta-feira de cinzas do carnaval de 1983 a casa estava lotada, como sempre. Ao final da temporada, prevista inicialmente para ficar em cartaz apenas três meses, ouvíamos nosso próprio texto vindo da platéia.

Lobnelda encontra Colírio e o condena a lutar pela própria vida

“Lobsalda” (Meise) era uma vampira vulgar que bebia sangue de mulheres virgens para se transformar em mulher. Até que uma bela noite, uma de suas escravas (Cláudia Wonder) convence ela a tomar sangue de homens. Ela manda o general Toronto (Eduardo Sampaio) raptar alguns exemplares da espécie. O general volta com um cara bastante musculoso, que é sacrificado logo e o tal do Colírio, um garotinho franzino mais insosso do que beterraba (veja a cena do sem sal aqui).
Nisso, sua secretária Corvolina (Eurico Martins) se apaixona pelo Colírio e, lá pelas tantas, aparece a rainha-mor Lobnelda (Augusto Rocha) para punir Lobsalda pela “heresia”. Para tentar se salvar, Colírio tem de lutar com o general até a morte. No meio da luta, o garotinho franzino seduz o general fortão e, ao som da versão de Caetano Veloso de “Nature Boy” cantada por Ney Matogrosso, os dois têm uma transa. No final do espetáculo, Colírio e Toronto se casam e na cena final, um coração de madeira revestido de grinaldas emoldura os dois. Boas recordações.

No final, o casamento: Colírio e Toronto ao centro, de branco

Foi no HS que conheci o Fábio, por quem me apaixonei perdidamente. Eu tinha 20, 21 anos. Mas, não demorou muito pra eu descobrir nele uma galinha irremediável. E, meses depois de terminada a temporada, fui embora de São Paulo.
De volta à cidade um ano depois, foi pra ele que eu liguei primeiro. Cheguei em Sampa numa sexta-feira, 7 de setembro de 1984. Ele tinha morrido fazia duas semanas. Morreu exatamente no dia que eu resolvi voltar.
Ainda lembro da reação que tive ao telefone. Uma risada nervosa. E uma sensação de perda que ainda não foi preenchida. Era muito difícil de acreditar. “Ele morreu de aids”, disse Geraldo pelo telefone, o companheiro dele à época. Fiquei meses procurando seu rosto nas pessoas que via nas ruas. Aquela dor ainda persiste. Agora, por exemplo, angustia meu peito, dá um nó na garganta e algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Na segunda-feira, 10 de setembro, procurei o serviço que funcionava no edifício da atual Secretaria de Estado da Saúde. Naquela época, o sangue da gente era enviado ao Instituto Pasteur, em Paris. Meses depois, sem obter o resultado, abandonei o acompanhamento e apenas em 1988 resolvi fazer outro teste.
O resto dessa história eu vou contar aqui aos poucos. O marcador não podia ser outro: dramalhão. É que por mais doloridos que possam ter sido alguns momentos do passado, no presente eles são só isso, dramalhão. Não perca os próximos capítulos.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ansiosa pela continuação...
Vanessa

Positivoefeliz disse...

Muito bacana seu blog
Adorei vou entrar sempre ainda mais pra ver o resto da história!
abrcs

Henrique Oliveira disse...

Querido, lindo relato! Merece mesmo esse marcador "dramalhão" pela carga de humanidade que carrega, e nada de deboche nessa (nossa) constatação, afinal é muito por esses instantes de drama humano que nós estamos conseguindo vencer 10, 15, 20, 30 anos com esse vírus e com essa síndrome. Te admiro e baterei cartão por aqui. E grato por retribuir o link! Sugestão: acrescente um contador com parametros além do número, e um mapa mundi para saber de onde vem teus leitores! Veja na minha página, é grátis! Abração

Paulo Giacomini disse...

Queridos, obrigado pela força. Confesso que não é fácil escrever na primeira pessoa. Quero ver se pelo menos uma vez por semana escrevo nesse marcador. []´s