quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Alô Lupi, a gente quer trabalhar!

Há alguns meses, um consultor do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ligou em casa para falar sobre um estudo que estava sendo feito para levar uma proposta inédita ao Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade). A proposta seria incluir pessoas vivendo com HIV e aids (PVHA) como deficientes. O objetivo era o de facilitar a inclusão de milhares de pessoas no mercado de trabalho.
Expliquei a ele que nós, PVHA, temos lutado desde o advento da aids, que a mídia rotulou de “peste gay”, doença de homossexuais, prostitutas e usuários de drogas injetáveis, para vencer o estigma e o preconceito que essa caracterização nos impingiu. Disse que nada garantiria que empresas contratassem PVHA simplesmente por serem consideradas deficientes; afirmei que era melhor o MTE estudar um jeito de conceder incentivos fiscais a empresas que se dispusessem a contratar PVHA; que o projeto ia contra nossas reivindicações etc. Ele ficou de enviar o estudo por e-mail. Ainda espero.
Semanalmente, a mídia tem dado que os níveis de trabalho e emprego têm subido, que as empresas têm contratado mais. Mas, ao ler as notícias, percebe-se que as ofertas são para candidatos e candidatas sem muita especialização. A maioria dos novos empregos está na construção civil.
Muitas PVHA vivem de aposentadoria. Outras, afastadas do trabalho e vivendo de auxílio doença. Outras, ainda, vivem na clandestinidade, ou seja, continuam no trabalho sem se abrir para colegas e superiores.
Em abril completo 14 anos no mercado informal. É um bico aqui, outro ali. Sem garantias trabalhistas, sem nada. Há algumas semanas enviei um currículo para uma vaga em uma organização do chamado terceiro setor. Até agora não recebi resposta, nem mesmo um “muito obrigado por participar do processo de seleção”. E a vaga continua em aberto. O jeito vai ser prestar um concurso público.
Não seria legal oferecer incentivos fiscais para empregadores que admitissem PVHA? Tudo bem que menos de 3% da população brasileira vive com HIV e aids. Mas, por conta do estigma, do preconceito e da discriminação é que não temos trabalho, emprego e renda. E, também por conta desses mesmos estigma, preconceito e discriminação que pessoas jovens têm se infectado mais. Afinal, nada disso é com elas.
Seria interessante que, para além da questão trabalhista, a sociedade brasileira pudesse conviver melhor com as PVHA. Talvez as pessoas pudessem escolher conscientemente transar com camisinha a ter de tomar medicamento pro resto da vida. Alô ministro Carlos Roberto Lupi, dá pra pensar um pouco nisso?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

As campanhas brasileiras de prevenção à aids

Lançada ontem na Mangueira pelo ministro da Saúde, a campanha de prevenção às DST/aids para o carnaval 2008 (na imagem ao lado, cartaz produzido para mobiliário urbano) foi bem recebida pela sociedade civil organizada que, obviamente, pede mais ações nos outros 11 meses do ano. Alessandra Nilo, especialista em comunicação e saúde pelo International Health Programm da Universidade da Califórnia (EUA), disse à Agência de Notícias da Aids que a proposta de comunicação é interessante. Para ela, apesar da campanha não ter “nada de muito diferente”, agrega conceitos como “atitude” e “bom de cama”, cristalizados no inconsciente coletivo da população, além de introduzir o preservativo como “algo que dá prazer”.
De fato, desde a campanha do carnaval de 2006, que temos, no Grupo de Trabalho (GT) de Comunicação do PN-DST/Aids, insistido para que as campanhas de prevenção à aids não “vendam” a necessidade do uso do preservativo como se fosse um tênis, um novo modelo de automóvel, ou mesmo uma marca de cerveja. Também temos pedido que as campanhas de carnaval sigam a mesma linha da campanha do Dia Mundial de Luta contra a Aids.

A campanha do carnaval do ano passado seguiu o mesmo conceito da produzida para o dia mundial. A deste ano segue a mesma linha. Na peça de 1° de Dezembro do ano passado, o mote era a atitude na luta contra a aids. A deste carnaval segue a mesma linha e agrega o slogan “bom de cama é quem usa camisinha” (veja o filme aqui).
Obviamente que o trabalho no GT de Comunicação não é de uma pessoa, mas de representantes do governo, da sociedade civil organizada, de pessoas vivendo com HIV e aids, entre outras. E aqui vale ressaltar que o resultado desse trabalho é, mais do que ter ou não campanhas na rua, a efetiva participação popular, como preconizada pelos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda, que o Brasil é um dos poucos países do mundo que abandonou a estratégia do terrorismo publicitário (vide campanha com o slogan “aids mata!”) para inserir conceitos como direito, solidariedade, prevenção e cidadania.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Pecado e consciência

“Nada nos envaidece mais do que sermos chamados de pecadores. A consciência nos torna, a todos, egoístas.”
(
Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray)

From Sampa to the world

Ontem este blog bateu a marca de 100 acessos. Pra um veículo que não tem divulgação e está perdido na blogosfera de 70 milhões de blogs, é bem legal.
O mais interessante é a procedência das visitas. Obviamente que a grande maioria é do Brasil. São Paulo e do Rio de Janeiro clicam mais. No entanto, temos visitas da Argentina, dos Estados Unidos, do Reino Unido, de Portugal, da Alemanha e das Filipinas.
Outro dado vem das palavras pelas quais as pessoas encontram o blog nos mecanismos de busca. “Pessoa que vive com HIV (aids) há mais de 15 anos” foi uma das que mais me chamou a atenção.
Aliás, vale registrar que nos interesses expressos no meu perfil, tais com “HIV”, “aids” e “viver com aids”, sou o único no Brasil registrado no Blogger, que tem esses interesses / palavras-chave, o que me leva a crer que meu blog é inédito no país, no provedor no qual está hospedado.
As visitas expressam a responsabilidade de postar informações e opiniões em um blog que pretende falar sobre Saúde e Aids. Por isso, vou exercitar a coerência nas posições aqui tomadas.
De qualquer forma, quero agradecer às pessoas que visitaram, que opinaram e que fizeram sugestões. Do meu pequeno home-office (foto da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, vista do meu quarto) no bairro de Santa Cecília, na região central da cidade de São Paulo para o mundo, enjoy it.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Aids em campanha

O bacanal da foto ao lado é uma das imagens da campanha da ONG francesa Sidaction. Elogiado por publicitários em posts pela blogosfera, o filme traz tórridas cenas de uma orgia fenomenal. Homens com homens, homens com mulheres, mulheres com mulheres. Em preto e branco, uma mulher cai em um buraco negro. Depois, um homem cai sobre corpos. A câmera se afasta e o que se vê é uma ampulheta. Na parte de cima, os corpos coloridos, ainda na orgia. Na parte de baixo, em preto e branco, corpos congelados pela morte. Em seguida, a frase “no mundo, uma pessoa morre de aids a cada 10 segundos”. Logo depois, o pedido de doação para a ONG.
A campanha brasileira do Dia Mundial de Luta contra a Aids de 2007, produzida pelo Ministério da Saúde, tinha dois filmes com a cantora Negra Li, além de três cartazes. Em um dos filmes, produzido para jovens gays, o pai diz ao filho para ele não esquecer da camisinha, pois ele [o filho] não sabia se o novo namorado levaria a camisinha. No outro filme, uma mulher jovem levava o namorado para dormir em casa e a mãe dava a ela uma camisinha.
Negra Li irrompia nos dois filmes lembrando espectadores e espectadoras que aquelas cenas poderiam ser irreais, mas que na realidade não se podia esquecer a camisinha. A cantora também aparecia em dois dos três cartazes produzidos para jovens (mulheres, gays e jovens vivendo com aids).
No próximo dia 27, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, lança o filme de prevenção à aids para o carnaval 2008, produzido para a TV. Com o slogan “bom de cama é quem usa camisinha”, a campanha também contém adesivos e bandana com o mesmo slogan. Cartazes para pontos de ônibus, e para banheiros – masculinos e femininos – também estão entre as peças produzidas, além de um jingle para estações de rádio.
Como a campanha do Ministério da Saúde para o carnaval de 2008 é divulgada em pílulas, volto a este assunto após o lançamento. Pois, ainda que eu saiba o roteiro do filme e tenha fotos dos cartazes, como estive na discussão da campanha estou eticamente impossibilitado de comentá-la. Pelo menos até domingo.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Repelente já!

O Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde divulgou, no final da tarde de segunda-feira, nota técnica nº 05/08 com “orientações sobre o uso da vacina contra Febre Amarela (FA) em pessoas que vivem com HIV e doentes de Aids”. Bem vindo, o documento esclarece a maioria das dúvidas mais freqüentes das pessoas vivendo com HIV e aids em relação ao que o país tem passado nas últimas semanas com referência à doença.
Quais seriam essas perguntas? “O que fazer se não puder tomar a vacina? Pessoas vivendo com HIV e aids (PVHA) podem/devem tomar a vacina? Quais seriam os problemas decorrentes da baixa de CD4 em PVHA que tomaram a vacina?”
A FA é causada pelo Flavivirus; a vacina contra a doença é produzida com o vírus vivo da família da Flaviviridae atenuado (com carga viral mais baixa). Pessoas com “deficiência imunológica associada ao HIV têm risco mais elevado de desenvolver complicações após administração da vacina contra FA (complicações pós-vacinais), assim como pode apresentar resposta imunológica protetora menos consistente do que a população geral”, diz a nota. Assim, a administração da vacina em PVHA “deve ser condicionada à avaliação médica do risco-benefício para o paciente”.
O “Consenso 2008”, que traz as recomendações para o tratamento anti-retroviral em adultos, indica que a vacina contra a FA pode ser recomendada para PVHA, “sempre levando em consideração a condição imunológica do paciente e o risco de transmissão definido pela sua situação epidemiológica local, podendo ser indicada para pacientes assintomáticos que tenham contagem de Linfócitos T CD4+ células/mm³ maior ou igual a 200 células/mm³”.
Não é recomendada a administração da vacina contra a FA em PVHA sintomáticas, independentemente “da contagem de Linfócitos CD4+, e em assintomáticos que apresentam contagem de Linfócitos CD4+ inferior a 200 células/mm³”. Nesses casos, deve-se adiar a administração da vacina até que um grau satisfatório de reconstituição imune seja obtido com o uso de terapia anti-retroviral, “proporcionando melhora na resposta vacinal e redução no risco de complicações pós-vacinais”.
Assinada pela Unidade de Assistência e Tratamento do PN-DST/Aids, a nota poderia ter passado por um pequeno tratamento na Assessoria de Comunicação. Não foram respondidas perguntas como o que as PVHA podem fazer para viver ou se deslocar para as áreas em que a imunização da população foi intensificada. E, embasada no consenso, o ideal é que as PVHA que estejam com contagem de CD4+ acima de 200 células/mm³ tomem a vacina? O que será feito quando os níveis de CD4+ dessas pessoas baixarem, uma vez que o vírus, mesmo atenuado pode ser suficiente para infectar sistemas imunológicos com contagem de CD4+ inferior a 200 células/mm³?
O ideal seria que PVHA não tomassem a vacina. Mas precisaríamos de compostos de citronela para afastar insetos. Repelente já!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A febre da febre amarela

Como era de se esperar, a mídia e as mortes por ou com suspeita de infecção por febre amarela provocaram corrida da população aos postos de saúde à procura da vacina para se imunizar do vírus da doença, o que tem resultado na insuficiência de doses para imunizar a população atenta e sensibilizada.
Hoje, com o aumento do número de mortos com diagnóstico confirmado, o Ministério da Saúde emitiu nota técnica assinada coletivamente por instituições de relevância no campo da saúde pública no país.
Cabe ressaltar que deve procurar os postos públicos de saúde apenas quem vive ou vai viajar para áreas endêmicas ou de transição da febre amarela e que tomou a vacina antes de 1999. A vacina imuniza apenas depois de dez dias de aplicada e protege por dez anos.

PG, Pagi, Pagu

“Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Fama de porra-louca, tudo bem
Minha mãe é maria-ninguém

Não sou atriz/modelo/dançarina

Meu buraco é mais em cima”

Rita Lee / Zélia Duncan

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Febre amarela: sob controle?

Primeiro foi a dengue, que depois de erradicada voltou com força total no final dos anos 1980. Agora, a febre amarela, erradicada em 1942. Dados do Ministério da Saúde divulgados nesta quarta-feira, 9 de janeiro, revelam que o vírus da doença tem se manifestado em seres humanos nas áreas endêmicas e de transição com mais freqüência desde 1996.
Dos 349 casos da doença notificados entre 1996 e 2007, houve 161 óbitos, ou 46% de mortes. Entre os seis casos registrados no ano passado, cinco mortes; 83%. O pior aconteceu nos anos de 2005 e 2006. Dos cinco casos nestes dois anos, cinco mortes.
Endêmica ou epidêmica, o fato é que a febre amarela tem sido negligenciada pelos meios de comunicação, cuja função é informar a sociedade.
Mas, para além da negligência, o importante é que todas as pessoas tomem a vacina, exceto aquelas para as quais o antídoto é contra-indicado:
  • Portadores de imunodepressão transitória ou permanente, induzida por doenças (neoplasias, aids e infecção pelo HIV com comprometimento da imunidade) ou pelo tratamento (drogas imunossupressoras acima de 2 mg/kg/dia por mais de duas semanas, radioterapia etc.);
  • Crianças com menos de 6 meses de idade;
  • Gestação em qualquer fase constitui contra-indicação relativa a ser analisada para cada caso na vigência de surtos;
  • Reações anafiláticas relacionadas a ovo de galinha e seus derivados ou outras substâncias presentes na vacina constituem contra-indicação.
Ressalvam-se as PVHA “que se desloquem para áreas de risco de transmissão de febre amarela, há indicação da vacinação levando-se em conta a contagem de CD4 e carga viral. Ou seja, é necessário avaliar o quadro junto a um médico.”
Para tentar responder a pergunta que intitula este post, nem de longe a febre amarela está sob controle. Porque além da dengue, o Aedes aegypti também pode transmitir a febre amarela.

Saúde e Aids

Diferentemente do blog que mantive em outro provedor, neste vou postar comentários relevantes sobre saúde pública, mais especificamente sobre aids. A intenção é trazer, ainda, detalhes sobre viver com HIV, vírus que provoca a aids.
Somos, hoje, mais de 400 mil pessoas vivendo com HIV e aids (PVHA) em tratamento no Brasil. Temos uma responsabilidade imensa perante a sociedade brasileira. A primeira delas é viver, pois é o contribuinte quem paga os caríssimos medicamentos que ingerimos diariamente. A outra é divulgar informações sobre o viver com o vírus.
Se viver não é fácil para ninguém, imagine viver com aids. São mais de três horas da madrugada e ainda não consegui dormir. São os efeitos dos medicamentos. Não conseguimos dormir, não conseguimos acordar. Não, isso não é vitimização, é constatação.
Mas, o pior efeito colateral não é o provocado pelas drogas altamente tóxicas. O pior efeito colateral é o estigma e o preconceito. Estigma provocado por um vírus que infectou, primeiramente, homossexuais, prostitutas, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos. Preconceito daqueles que excluem as PVHA do mercado de trabalho _eu mesmo fui excluído do mercado formal há quase 14 anos. Mas isso é uma outra longa história.
Espero trazer aqui contribuições para a conscientização e a reflexão. Principalmente daquelas pessoas que acreditam que a aids é, atualmente, apenas mais uma doença crônica, como uma gripe e que os medicamentos deixam a pessoa bem. A aids é uma doença crônica e os medicamentos nos deixam bem. Exceto quando os efeitos colaterais e adversos nos atacam.