quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O Big Brother, o fantasma da Aids e Foucault

Preconceito é horrível, principalmente quando vem da Alemanha, país que costuma despir-se de preconceitos justamente por ter apoiado o que gerou o holocausto. Aqui, o Big Brother Brasil 10 começou na terça-feira da semana passada. Enquanto era iniciado o Big Brother Brasil LGBT – sim, porque na “casa mais vigiada do Brasil” (aka Pedro Bial) a comunidade é maior que os 10% que se reivindicava da população – na Alemanha o participante tatuador desistiu de concorrer a um prêmio de 250 mil euros porque descobriu que o casal gay da casa é soropositivo. Preconceito é f***!

Como um tatuador de 41 anos, que teoricamente viveu a explosão da Aids dos anos 80 à metade dos 90, pode ser tão preconceituoso? Será que é preconceito meu achar que por ter vivido a pior época – a sentença de morte sem as drogas antirretrovirais – da epidemia o tatuador alemão não pode ter preconceito? Se o tatuador não usar luvas e agulhas descartáveis e separar as tintas em pequenas porções individuais, ele teoricamente também poderia transmitir ou infectar-se por HIV. Fico pensando em quantas pessoas soropositivas já tatuou. E me espanta mais ainda o fato de trabalhar com uma profissão de risco, cujos cuidados são fundamentais para evitar a propagação do vírus.

No BBB 8, uma participante falou que tinha perdido um amigo usuário de droga injetável por Aids. Mas o contexto ao que ela referiu foi tão surreal, pra dizer o mínimo, que foi amplamente ignorado pelos demais participantes e nem entrou nas edições da TV aberta. A Aids ainda não chegou à casa do BBB 10. Mas, no último domingo, enquanto se formava o primeiro paredão da edição, especulava-se no Twitter se Marcelo Dourado não estaria com AIDS. De fato, o “re-BBB” está com o rosto mais magro e exibe bem menos cabelo do que tinha na edição que participou, o BBB 4.

Mas Aids não tem cara. Quando as pessoas vão se acostumar com essa ideia? Aliás, a Aids pós-tratamento antirretroviral tem muitas caras, todas infinitamente diferentes daquela que Cazuza estampou na capa da Veja quando assumiu sua doença diante do Brasil. Atualmente, a cara da Aids é jovem, tem corpo musculoso; é velha, tem pneus na cintura, pernas finas e giba no ombro; é mulher, tem ombros largos e barriga que parece de gravidez. Mas a Aids tem a cara, preferencialmente, de quem procura a Aids na cara das pessoas. Porque é ela quem está mais vulnerável à Aids.

Adoro Big Brother. Já cobri vários. Alguns deles, começava a trabalhar às 8 da noite e só parava de manhã. Em noites mais movimentadas ia dormir às 2 da tarde porque o dia emendava a noite e eu simplesmente não conseguia parar de trabalhar. Fui eu quem deu a foto, reproduzida da TV por uma máquina digital que armazenava arquivos em disquete, da primeira relação sexual no BBB, se não me engano, a segunda edição. Já tive época de cobrir BBB e Casa dos Artistas juntos. Já trabalhei munido de um arsenal com um computador e um notebook conectados à internet, dois aparelhos de TV, um telefone fixo, um celular e um rádio, cobrindo os dois reality show simultaneamente. Comprei a maioria deles, perdi poucos. Não vou comprar a atual edição porque tenho de me dedicar ao meu mestrado.

Hoje assisto por diletantismo. Alguns amigos me criticam, não entendem como perco tempo com Big Brother. Gosto de BBB porque lá temos um laboratório espetacular para a análise do comportamento humano. Acho que meu filósofo preferido, o Foucault, também gostaria de Big Brother se ainda estivesse vivo, se não tivesse morrido de Aids em 1984, ainda nos primeiros anos da epidemia. Ele talvez dissesse que, no Big Brother, o discurso da sexualidade e da política são exercidos, de forma privilegiada, como “alguns de seus mais temíveis poderes”. E não ligo para o preconceito dos meus amigos que ainda não leram Foucault.