Até meados da década de 1990, a infecção pelo HIV era uma rápida sentença de morte. As pessoas ficavam doentes e meses depois estavam mortas. A aids ceifava vidas como um jardineiro a aparar grama no jardim.
Naquela semana de 1984 fui umas três vezes ao serviço público de saúde que recebia pessoas do então denominado “grupo de risco” daquela doença ainda pouco conhecida chamada “peste gay”. Ao voltar pra casa de uma dessas visitas, disse a uma das minhas primas que ela tinha pouco tempo de contato comigo. Choramos muito juntos. Mas, até hoje damos algumas boas risadas quando lembramos do nosso desespero conjunto.
Naqueles anos, quando ainda não tínhamos informação suficiente sobre a doença, o estigma era muito, mas muito forte. Um dos pontos de concentração gay de São Paulo, na rua Marquês de Itu, que literalmente fervia nas noites dos finais de semana, foi simplesmente esvaziado. Não pela polícia do delegado Richetti, que expulsou homossexuais do Largo do Arouche no início mais remoto dos anos 1980, mas pelo “câncer rosa”, como também era designada a aids.
Algumas pessoas, eu inclusive, achavam que a aids era fabricada pela mídia e pelas forças conservadoras norte-americanas para, ao estigmatizar a homossexualidade, estancar um pouco da explosão sexual experimentada naqueles loucos anos. Mas não era. Nunca foi.
Devidamente trancafiados em suas casas pela falta de informação, de medicamentos e principalmente, de certezas, os próprios homossexuais inventaram uma espécie de diagnóstico para identificar as pessoas portadoras do HIV: magros morreriam, gordos viveriam. Obviamente que, com o passar dos anos, esse diagnóstico foi cientificamente refutado.
Naqueles primeiros anos, de volta a São Paulo, era muito engraçado ver a expressão assustada das pessoas ao me encontrar. Gente que sumia do mapa, como eu, era tida como morta. Uma vez, encontrei a camareira do HS que confidenciou ter rezado uma missa pela minha alma, pois a falta de notícias era o sinal irrefutável da minha morte.
Meses depois de ter colhido sangue para o exame francês que nunca tive o resultado, abandonei o serviço. Meu raciocínio dizia que, se eu iria morrer logo, deveria aproveitar a vida. Como de boemia eu estava legal, resolvi voltar a estudar.
E, novamente, vou deixar você esperando pelos próximos capítulos desse dramalhão. Até.
5 comentários:
estou gostando da história...quero ler o resto
Gostei muito so seu blog! Já tinha visitado ele diversas vezes antes...mas não tinha comentando ainda!! rs
Mas como um bom jornalista você escreve muito bem e realmente envolve as pessoas na sua história! Legal isso...
Bem não tenho autonomia de administradora para linkar seu Blog ao www.qualsuaatitude.com.br
Somos vários colaboradores e vamos ecrevendo artigos, notas, cronicas e tudo que seja de interesse público no que se refere ao sexo seguro e prevenção às DST's.
Inclusive você pode escrever textos lá também. É só vc se cadastrar e escrever sobre sua experiência.
Vou vir sempre por aqui e espero vc por lá!
Beijos!!
Sa, vou escrever aos poucos. Tudo isso é muito forte.
Larissa, obrigado pelos elogios. vou escrever um post especial pro http://blog.qualsuaatitude.com.br
Bjks
Eu imagino Paulo...vou ficar sempre dando uma espiadinha...já te admiro muito!
Paulo, parabéns pela iniciativa do blog. Emocionante o seu relato neste post. Nem sempre temos a oportunidade de ler relatos como o seu.
beijos!
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