Na semana passada, enquanto os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes batiam boca durante sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), ao vivo para as câmeras da TV Justiça, um despacho do também ministro Marco Aurélio adiou uma discussão cujo veredicto deve caber mesmo à mais elevada corte do país.
“(...) 2 (...) à míngua de elementos, não há como examinar o pedido de concessão de medida acauteladora. 3. Oficiem ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao Juízo da Comarca de Cosmópolis/SP, para prestarem informações a respeito dos fatos noticiados na impetração e providenciarem a remessa das peças mencionadas, necessárias ao exame do pedido nela formulado. 4. Ao impetrante, para, querendo, antecipar-se quanto às providências. 5. publiquem.”
O despacho foi dado ao pedido de Habeas Corpus impetrado por Marcos Roberto Boni, advogado de J.G.J. “Ele foi denunciado por duas tentativas de homicídio qualificado (artigo 121, parágrafo 2º, II, do Código Penal) e uma tentativa de homicídio (artigo 121, caput), tipificação errônea, segundo seu defensor”, informa notícia publicada no portal do STF.
Para Boni, o acusado deveria ser enquadrado no artigo 131 do Código Penal (“praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”). O argumento da defesa é embasado no fato de a AIDS não ser mais uma doença mortal, mas crônica.
A questão é polêmica. O ministro Marco Aurélio pediu informações mais consistentes aos tribunais responsáveis pelo processo, adiando a decisão que deve abrir jurisprudência para o julgamento de casos que criminalizam a transmissão do HIV.
O açougueiro J.G.J. teria sido infectado pela mulher, depois dela ter passado por uma transfusão de sangue. Após a morte da esposa, e ciente de sua condição sorológica, ele começou um relacionamento com uma moça e, numa noite, aproveitando que ela dormia profundamente, fez sexo com ela sem preservativos. Ele teria infectado uma segunda mulher um ano depois, depois de algum tempo de relacionamento. E ainda teria tentado infectar uma terceira mulher, que recusou fazer sexo sem preservativos.
Ainda que desprovido de bases jurídicas e aqui sem defender o indefensável sexo sem consentimento do caso em questão, é revoltante ver uma pessoa julgada por não usar preservativo numa relação sexual. Parece que a responsabilidade que todo e qualquer cidadão tem de cuidar da própria saúde é sempre do outro, nunca do “eu” mesmo. Ninguém transa sem camisinha sozinho. Por que determinado cidadão, no caso aquele que tem o HIV, é o único responsável pelo autocuidado de duas pessoas que decidiram, mesmo que não tenham conversado sobre o assunto, fazer sexo sem preservativo?
Se eu tenho responsabilidade, você também tem, ok? Combinamos que eu cuido de mim e você de si. O cidadão tem o direito à saúde. O dever de prover informação, serviços e acesso aos serviços de saúde é do Estado. Artigos 196 a 200 da Constituição Brasileira de 5 de outubro de 1988. E é na ponta que o Estado tem os meios de acolher e vincular o cidadão ao serviço de saúde.
Outra questão é a “espécie” de HIV. Será que são pedidos apenas para comparação os genótipos do HIV instalado tanto no réu quanto na “vítima”? Até quando vamos dividir as coisas e as pessoas em boas e ruins, em algozes e vítimas? Esses exames, até onde sei, confirmariam se o DNA do HIV de um é o mesmo do HIV do outro. Mas nem mesmo isso isenta ninguém da responsabilidade compartilhada.
É uma pena que ainda seja necessário transformar que alguns poucos em algozes e levá-los ao banco dos réus para transferir ao cidadão o que é dever do Estado. E o debate está aberto.
Um comentário:
Oi amigo.
li o seu post com muito interesse.
As suas reflexões são pertinentes.
Ensinar a mudar mentalidades, é muito difícil e por vezes passa por posições de choque.
Concordo consigo quando diz que é pena que ainda seja assim. também lamento que tenhamos de ainda partir a cara para aprendermos ou ensinarmos o respeito pelo outro e por si próprio...
a responsabilidade partilhada.
Um beijão deste lado para vc.
Um nbei
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